quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A DANÇA E A ALMA


A dança? Não é movimento,
súbito gesto musical.
É concentração, num momento
da humana graça natural.

No solo não, no éter pairamos
nele amaríamos ficar.
A dança - não vento nos ramos:
seiva, força, perene estar.

Um estar entre céu e chão,
novo domínio conquistado,
onde busque nossa paixão
libertar-se por todo lado.

Onde a alma possa descrever
suas mais divinas parábolas
sem fugir à forma do ser
por sobre o mistério das fábulas.


Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Abandono



Se eu pudesse dos pensamentos irrequietos
Formá-los versos e bradões metrificados,
Seriam brados de matéria não sabida;
Seriam casas e móveis desarrumados.

De rimas pobre e de recursos mais ainda,
Resta-me a angústia por dois lados aumentada:
Não consigo ao mundo passar tudo que sinto,
Não vejo meios de seguir na caminhada.

Abandono aos caminhantes porque parei.
Resta aos antigos companheiros esquecer...
Sem destino é meu andar. Me cansa, me dói,
Caio...Perdido no infinito do não-ser...

E nessa fria infinita escuridão,
Me vem um Mestre com sua chama me aquecer...
Agora a sinto em meu peito a arder,
E já me volta a harmonia da canção!

Fogo Alquímico! Fez homem do animal:
A mente indomável hoje me obedece,
A vontade prisioneira, liberta, cresce,
O abandono da arte é condicional:

Não mais desejo escrever-te, poesia,
Se for vazia de ideias tua forma.
Mas se é o brilho do Ideal que te adorna,
Quero viver-te intensamente a cada dia.


André Vasconcelos

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

AH! OS RELÓGIOS


Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...

Mario Quintana - A Cor do Invisível

domingo, 2 de janeiro de 2011

ANINHA E SUAS PEDRAS


Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas
recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces.
Recomeça.
Faz da tua vida mesquinha um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

Cora Coralina