quinta-feira, 28 de outubro de 2010

MARIO QUINTANA


PROJETO DE PREFÁCIO

Sábias agudezas... refinamentos...
- não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
Um poema não é também quando paras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre...
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.



OS POEMAS

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...



Um pouco de metalinguagem...


quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A ARTE DE SER FELIZ


HOUVE um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa e sentia-me completamente feliz.

HOUVE um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava? Em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? E que mãos as tinham criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu não era mais criança, porém a minha alma ficava completamente feliz.

HOUVE um tempo em que minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava histórias. Eu não podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que a ouvisse, não a entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham tal expressão no rosto, a às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu participava do auditório, imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia completamente feliz.

HOUVE um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.

MAS, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles



Trata-se de uma crônica, mas certamente com um rastro poético que ela sempre soube imprimir em toda sua obra. Confiram mais sobre Cecília Meireles no café filosófico neste sábado, 23/10, na Nova Acrópole filial guará, às 19h.
"Filosofia e Metafísica na obra de Cecília Meireles"

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

DISQUISIÇÃO NA INSÔNIA


Carlos Drummond de Andrade


Que é loucura; ser cavaleiro andante

Ou segui-lo como escudeiro?

De nós dois, quem o louco verdadeiro?

O que, acordado, sonha doidamente?

O que, mesmo vendado,

Vê o real e segue o sonho

De um doido pelas bruxas embruxado?

Eis-me, talvez, o único maluco,

E me sabendo tal, sem grão de siso,

Sou - que doideira - um louco de juízo.


* Disquisição: exame; indagação, investigação, pesquisa.

Para os interessados em conhecer um pouco mais sobre a filosofia presente na obra Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, convidamos para a palestra com entrada franca, que ocorrerá na filial Nova Acrópole de João Pessoa, neste sábado, dia 23/10, às 19h. Mais informações no site www.acropole.org.br .

domingo, 17 de outubro de 2010

Musas e Mestres


Em homenagem a Jorge Angel Livraga,

o Mestre poeta, amigo das Musas, que nos inspira a amar e a viver a poesia.



Do poder da consciência celeste

Com o mais puro da nossa memória

Nascem as nove musas

Tríades inspiradoras da sonhada glória.



Na cadência leve e de apaixonada juventude,

Terpsícore nos embala em sua dança singela:

Simplicidade para encontrar o ritmo da vida,

Fortaleza da lira harmoniosa e bela.



Euterpe, com sua flauta singular e doce,

Reflete a beleza de tornar-se instrumento

Do sopro divino que faz vibrar a alma

Ecoando música em todos os momentos...



Do olhar sonhador de Erato,

Nasce a poesia filha de Eros, o jovem Amor.

Nas flechas mágicas de suave perfume

O verso belo e puro da flor.



Da beleza da rosa à experiência do espinho,

Melpômene nos traz a tragédia da vida

Máscara envolta em profundo mistério,

Dor que merece ser compreendida.



Talia nos recorda o poder da comédia,

Que a tudo veste de contagiante alegria,

Janela que abre endurecidos corações

E desperta sentimentos de pura magia.



Calíope sintetiza lágrimas e sorrisos,

na poesia que inspira o valoroso heroísmo.

Gigantes, cavalheiros, derrotas e vitórias

Aventuras de nobre e encantador lirismo.



Em seus papiros e livros,

Registros fiéis da humana trajetória,

Clio nos ensina em espirais e ciclos

A colher o melhor de nossa história.



Caminhando no compasso do Todo

Que a tudo une em delicado verso

Urânia nos lega a sagrada astronomia

E nos conecta ao mistério do Universo.



E na leveza misteriosa do véu sagrado de Polímnia

Fecha-se o ciclo de harmonia e beleza

Inspiração para transformar hinos em vida

Expressões puras e fiéis da verdadeira Natureza.



Os Mestres nos recordam que a glória é indefinível,

Porém possível de ser vivida e real

Mestres e Musas, presentes divinos,

Estrelas inspiradoras do nosso Ideal.


Gabriela Leite - João Pessoa

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Versos (Cruz e Sousa)



(Desterro, 9 abr. 1881)

Admirai Carrara, Canova, Rafael,
Murillo, Mozart e Verdi e tereis
as sublimes, mais que sublimes,
as divinas encarnações da arte!
(Do Autor)


Bravo, prole bendita
Pois à glória infinita
O lutar vos conduz!
É assim — trabalhando
Sempre e sempre estudando
Que se alcança mais luz!

Contemplai estas flores
Estes tantos lavores
Contemplai o painel!
Repetindo orgulhosos
Estes feitos briosos
São dum belo pincel!

Eia, jovens, avante!
Ser artista é brilhante,
Trabalhar é uma lei!
Não são só os c’roados
Que merecem em brados
Ter as honras de rei!

O artista qu'é pobre
É tão rico, é tão nobre
Qual potente césar!
E a glória bem cedo
Lhe murmura o segredo
— És artista — és sem par!

Não temais os pampeiros
Sois gentis brasileiros
Deveis pois progredir!
Quem vos traça na história
Vossa augusta memória
É um deus — O Porvir!

Levantai-vos potentes
Altanados, ingentes
E fazei-vos Criseus!
Só quem pode vergar-vos
E pensar obumbrar-vos
Mais ninguém — é só Deus!

Não fiqueis ignavos
Que o futuro dá bravos
Vos dizendo — estudai!
Sois humanos — portanto
Se há de trevas um manto
Apressai-vos, rasgai!

Nossa pátria querida
Necessita mais vida,
Necessita crescer!
É preciso contudo
Que tenhais como escudo
Quem vos mostra o saber!

E de obreiros altivos,
Que sereis redivivos
Que sereis imortais,
Achareis vossos nomes
Vossos grandes renomes
Nas mansões divinais!

Perdoai-me estas flores
Que tão murchas, sem cores
Nada podem valer!
São ofertas sinceras
Arrancadas deveras
Para vir vos trazer!

Palinuros — à frente
Esse trilho é ridente
Dás-vos honra, louvor!
Quem o braço vos guia
Nunca, nunca entibia —
— É artista... e pintor!

É a vós a quem falo
E se hoje eu não calo
Estas vãs expressões!
É que a louca alegria
Em minh'alma irradia
Com fulgentes clarões!

O trabalho enobrece
Glorifica, engrandece
Aos artistas quais vós!
Que zombando da sorte
Têm a tela por norte
Os pincéis por faróis!

Eia! nessa carreira
Qual a nau sobranceira
Indo o mar a fender!
Quando há negros abrolhos,
Mil cachopos, escolhos
É mais belo o vencer!

Se o lutar é dos grandes
Que são gêmeos dos Andes
Que não sabem tombar!
Colhereis uma glória
Mais suprema memória,
Trabalhando, a lutar!

Deus, o Deus sublimado
Disse ao homem num brado,
Da sidérea mansão!
— Vai depressa arrimar-te
Aos arcanos da arte,
Que terás um bordão!

Onde há braços d’artista
E seu ponto de vista
Decepar escarcéus!
E seu gládio seguro
Vai cavar o futuro
Vai rasgar negros véus!

E lá quando os vindouros
Vos c'roarem de louros
Vos erguerem docel!
Bradarão altaneiros:
— Exultai brasileiros,
Ressurgiu Rafael!

Não temais os insanos,
Insensatos humanos
Bajulantes e maus!
Trabalhai muito embora!
Há de vir uma aurora
P’ra arrancá-los do caos!

Away, estudantes
Sois vergônteas pujantes
A lauréis tendes jus!
Caminhai com coragem,
Qu’esta é a romagem
Dos apóstolos da luz!!!...



E por falar em Cruz e Sousa...
O André postou um lindo poema desse autor na segunda e tivemos a declamação desse (Versos) na filial Guará, também na segunda. Não pude deixar de compartilhar com vocês.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Inefável


Nada há que me domine e que me vença
Quando a minha alma mudamente acorda...
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa.

Sou como um Réu de celestial sentença,
Condenado ao Amor, que se recorda
Do Amor e sempre no Silêncio borda
Das estrelas todo o céu em que erra e pensa.

Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raros
E de outras mais serenas madrugadas!

Todas as vozes que procuro e chamo
Ouço-as dentro de mim porque as amo
Na minha alma volteando arrebatadas.

Cruz e Sousa